terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

FICHAMENTO “A construção da escola pública: avanços e impasses” - Capítulo III - Carlos José Libâneo, João Ferreira Oliveira e Mirza Seabra Toschi


No Brasil, as primeiras escolas foram criadas pelos jesuítas em 1549, e eram voltadas para a evangelização dos índios, além de servirem para a formação de futuros padres católicos. A escola pública surgiu no século XVIII, na Alemanha e na França, , nos Estados Unidos no século XIX, e no Brasil, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. As escolas visavam preparar trabalhadores para as indústrias, por isso, focavam no ensino da leitura, escrita e cálculos. Para o mundo capitalista isso já não é suficiente, é preciso ter conhecimento das funções do computador.


1 – As modalidades de educação
Na vida social, a educação assume diferentes modalidades. Como exemplos podem citar-se os costumes, a religião, as leis, os fatos físicos (ex. O clima), as ideias vigentes na sociedade, o tipo de governo, as práticas das famílias, etc. Tais fatores, nem sempre são conscientemente intencionais, mas envolve tudo o que impregna a vida social. Há, ainda, a prática educativa, que se divide em educação formal e informal. A educação não formal ocorre fora da escola, porém é pouco estruturada e sistematizada. A educação formal é também intencional e ocorre ou não, em instâncias de educação escolar, apresentando objetivos educativos explicitados, é claramente sistemática e organizada. Uma modalidade não é mais importante do que a outra, uma vez que se interpenetram.

2 - A educação escolar
A escola, tal como a conhecemos hoje, surgiu com o nascimento da sociedade industrial e com a constituição do Estado nacional, para suplantar a educação que ocorria na família e na igreja. Na Alemanha do século XVII, as escolas buscavam universalizar o ensino a fim de instruir o povo para a leitura da Bíblia. Na França, as escolas visavam à instrução religiosa, disciplina e o ensino de trabalhos manuais, tornando-se agências de formação de empregados para o comércio e a indústria. Essa tendência provocou o início da ruptura com o ensino ministrado pelos jesuítas, o qual tinha caráter escolástico com ênfase no latim, na retórica e nos ensinos clássicos. A ideia da escola pública e obrigatória para todos, data dos séculos XVIII e XIX; em 300 anos, inúmeros estudiosos tentaram explicar a organização social capitalista e essa sua importante instituição.

3 – Diferentes concepções de educação escolar
Uma das primeiras iniciativas de classificação de educação foi realizada por Dermeval Saviani, 1983; 2008 descritas a seguir. A tendência humanista tradicional abrange a pedagogia católica – cuja presença no Brasil vem desde os jesuítas – e outras correntes formuladas desde os séculos XVI e XIX, Nas quais se destacam a ideias de Comênio e Herbart centrada no conhecimento, na formação intelectual, na autoridade do professor. A tendência humanista moderna abrange várias correntes originadas na filosofia com resultando numa pedagogia centrada na criança. Essa tendência inspira, no Brasil, por volta da década de 1920, o movimento da Escola Nova, que atingiu seu apogeu na década de 1960, quando se difundem também as ideias de Jean Piaget. A tendência tecnicista foi introduzida por volta de 1968 na política educacional do regime militar, com princípios positivistas como racionalidade, eficiência e produtividade com forte peso na formação técnica e no ensino profissionalizante. Duas leis são representativas dessa orientação, a Lei N°5.540/1970 e a Lei n° 5.692/1971.  

A tendência crítico-reprodutivista identificada em boa parte como posição crítica ao tecnicismo. Essa tendência apresentou-se em três teorias: 1) teoria do sistema do ensino como violência simbólica, formulada por Bourdieu e Passeron; 2) teoria da escola como aparelho ideológico de Estado, de Althusser; 3) teria da escola dualista, formulada por Baudelot e Establet. A tendência dialética surge como uma concepção que supera as demais, destacando as possibilidades transformadoras da educação em meio às contradições da sociedade capitalista. Decorreram dessa tendência, a pedagogia histórico-crítica, formulada por Dermeval Saviani, e a pedagogia critico-social dos conteúdos, de José Carlos Libâneo, ambas surgidas por volta de 1979.

Saviani reconhece o mérito dessas teorias em destaca a relação entre a educação e o processo de dominação na sociedade de classes, mas considera-as “reprodutivistas”, no sentido de terem restringido a educação ao papel de replicadora das relações sociais capitalistas de produção, desconsiderando sua capacidade de realidade. Outro estudo sobre as tendências pedagógicas no Brasil foi elaborado por Libâneo (2010), que dividiu as pedagogias modernas entre liberais e progressistas. Às pedagogias de cunho liberal aglutinou a pedagogia tradicional, a pedagogia renovada e o tecnicismo educacional; às pedagogias de cunho crítico-progressista associou a pedagogia libertadora (iniciada por Paulo Freire), a pedagogia libertária e a pedagogia crítico-social dos conteúdos.

As escolas continuam direcionadas para quatro tipos de pedagogia: a tradicional, a tecnicista, a nova ou ativa, e a sociocrítica, esta assumida por várias entre as quais a pedagogia crítico-social, a teoria curricular crítica, a perspectiva do conhecimento em rede. A pedagogia tradicional e a tecnicista são mais convencionais e politicamente conservadoras. A primeira centra-se na mera transmissão de conteúdos e na autoridade do professor. A pedagogia tecnicista está também associada à transmissão de conteúdos, mas põe um peso forte no desenvolvimento de habilidades prática, no saber fazer. A pedagogia da Escola Nova, representada principalmente por escolas e professores que adotam uma visão construtivista, a preferida por pais preocupados com a formação humana de seus filhos. De certa forma, no Brasil, essa pedagogia continua sendo assumida pelas políticas oficiais, em geral, assumem a orientação construtivista inspirada em Jean Piaget, ou a orientação pedagógica de Vygotsky, ou ainda uma mistura das ideias desses dois psicólogos, aplicadas de modo bastante ambíguo e frequentemente equivocado.

As pedagogias sociocríticas, por sua vez, propõem associar o ensino-aprendizagem a responsabilidade da escola perante as desigualdades econômicas e sociais, ajudando os alunos em sua preparação intelectual e em sua inserção crítica e participativa na sociedade, preocupações com o meio ambiente, com os problemas da vida urbana, as questões socioculturais e as diferenças entre as pessoas. Os educadores compromissados sabem que a escola continua sendo reivindicada pelas camadas populares e que é preciso que os poderes públicos assegurem os investimentos financeiros necessários para o acesso a ela, mas também para a permanência nela, usufruindo de um ensino de qualidade.

4 – A construção da escola pública: finalidades sociais e políticas e organização curricular e pedagógica
Numa perspectiva sociocrítica, a educação é prática social ampla e inerente ao processo de constituição da vida social, alterando-se no tempo e no espaço em razão das transformações sociais. A educação deve ser compreendida como um campo social de disputa hegemônica, portanto um espaço de luta e contradição, uma vez que reflete a própria constituição da sociedade. Cada sociedade, tendo por base as classes e grupos sociais de que é composta, estabelece e organiza um sistema educacional para cumprir determinadas finalidades sociais. No caso das sociedades de orientação capitalista-liberal, são encontradas várias finalidades para a educação escolar, entre as quais: a) garantir a unidade nacional e legitimar o sistema; b) contribuir para a coesão e o controle social; c) reproduzir a sociedade e manter a divisão social; d) promover a democracia da representação; e) contribuir para a mobilidade e a ascensão social; f) apoiar o processo de acumulação do capital; g) habilitar técnica, social e ideologicamente; h) compor e capacitar uma força de trabalho. Por outro lado, educadores interessados em um projeto educacional voltado para os anseios da maioria da sociedade buscam outros propósitos para a educação. Buscam formar alunos com senso crítico, com autonomia, aptos para lidar com as diferenças, conscientes do seu papel social, plenos em sua cidadania.

Nesta segunda perspectiva, a educação deve ser compreendida como um direito universal básico e como bem social público, condição para a emancipação social, concebida no contexto de um projeto amplo de inclusão social que aponta para a necessidade de constituição de um estado democrático que atua por meio de políticas públicas, sociais e educacionais favorecedoras dos processos de emancipação desejados. Para a efetivação da qualidade social da educação escolar não bastam, no entanto ações voltadas para custos e consumos A promoção da qualidade implica considerar outras dimensões que afetam os processos, sua atenção deve voltar-se para a aprendizagem dos alunos, a qual depende não apenas da mediação do ensino, mas também da consideração do contexto socioeconômico-cultural dos estudantes, das expectativas sociais das famílias, dos processos de organização e gestão da escola, da participação efetiva da comunidade, das práticas curriculares e processos pedagógico-didáticos, das formas de avaliação tanto do funcionamento da escola como das aprendizagens dos alunos.

Um aspecto fundamental no processo de construção da escola pública é a compreensão histórica do papel do currículo na organização do trabalho escolar. A efetivação da relação entre um currículo nacional e o direito do cidadão de apropriar-se de conhecimentos vem tendo, nos últimos 30 anos, uma trajetória bastante complexa. Transformações sociais e produtivas provocaram modificações no papel e na forma de atuação do Estado, incidindo também na implementação de reformas curriculares. No âmbito da educação observou-se um movimento mundial, impulsionado pelos países ricos e pelos organismos multilaterais, no sentido de reformar a educação e ajustá-la às novas demandas do mundo do trabalho e, especialmente, aos novos perfis profissionais exigidos pela chamada sociedade ou economia do conhecimento. No Brasil, em conexão com as reformas curriculares, foi adotada desde o início dos anos 1990 a avaliação em larga escala, por influência de organismos financeiros internacionais, com exames e testes, as escolas e os professores são induzidos a realizar seu trabalho em função das diferentes matrizes curriculares de referência utilizadas para a elaboração dos testes/exames. Assim os testes/exames passam a ser a referência para o currículo, e não os currículos básicos (ou diretrizes curriculares), definidos nacionalmente, é que servem de fundamentos para os possíveis exames. Também se podem observar as políticas de remuneração docente que associam incentivo financeiro a desempenho, imputando maior responsabilidade às escolas e aos professores pelo rendimento dos alunos, são estabelecidas metas para o processo de ensino-aprendizagem, exigindo das escolas e dos professores performances compatíveis com metas decorrentes dos resultados.

Outro tema relacionado com as políticas educacionais e o funcionamento das escolas é o Projeto Político-Pedagógico (PPP) proposto com o objetivo de descentralizar e democratizar a tomada de decisões pedagógica. Previsto pela LDB/1996 (ART.12 e 13), o PPP pode significar uma forma de toda equipe escolar tornar-se corresponsável pela aprendizagem efetiva do aluno e por sua inserção na cidadania. A reforma educacional brasileira desde a década de 1990 trouxe, no entanto, como proposta do Banco Mundial para a gestão da escola o Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE), que visava aumentar o desempenho da escola por meio de um planejamento eficaz, ele é um modelo empresarial da administração. Há diferenças conceituais políticas e pedagógicas evidentes entre as duas propostas. O PDE pode financiar projetos elaborados pelas unidades escolares e aprovados por sua coordenação, o PPP, não está vinculado a recursos propriamente, mas às finalidades e organização do trabalho da escola. No entanto, não há impedimento de que ambos ocorram na escola ao mesmo tempo, desde que se tenha clareza de que todas as escolas devem ter seu PPP, conforme a LDB, e de que o PDE-Escola é um instrumento estratégico-gerencial e, por essa razão não dá conta de pensar a escola numa perspectiva mais ampla, crítica, democrática e cidadã nem promove a participação efetiva dos agentes escolares no contexto de uma gestão democrática. Além disso, as escolas que trabalham somente com o PDE podem sofrer intervenção administrativa externa, o que pode, com grande possibilidade, impedir ou mascarar o crescimento e o amadurecimento das unidades escolares na definição coletiva de sua forma de organizar-se autônoma, pedagógica e administrativamente, algo que pode ser propiciado pelo PPP.

Para finalizar observamos que o acesso à escola foi democratizado, mas não houve ampliação dos recursos para o ensino obrigatório, as condições de funcionamento das escolas tornaram-se precárias, a remuneração dos professores caiu a níveis insustentáveis, o investimento na formação profissional dos professores foi insuficiente, afetando a qualidade de ensino, desse modo, a construção da escola pública brasileira é um processo inacabado.

Conclusão

A partir da fala dos autores “a construção da escola pública brasileira é um processo inacabado” fica aqui a reflexão. São passados quase quinhentos anos desde que as primeiras escolas começaram a funcionar no Brasil. Desde o início ela foi planejada de “cima para baixo”, em outras palavras, o propósito que se tinha ao criá-las era cumprir uma meta estabelecida pelos portugueses, a evangelização. O tempo passou, mas as coisas não mudaram tanto assim, em algum momento a escola se “tornou” pública, ou seja, comum a todos. Essa escola que é pública deveria ser, não apenas acessível a todos, o que não é, mas também objetivar os interesses de “todos” e não os de “alguns”. Espera-se que o aluno da escola pública esteja pronto para “alimentar” o mercado, depois de alguns anos de estudo, porém não lhe são garantidos todos os recursos necessários para um aprendizado satisfatório. Para a população brasileira, em geral a parte mais carente, esse problema pode até ficar “camuflado”, mas basta um pouco mais de atenção à geração de jovens que estão entrando no mercado de trabalho hoje, e aos alunos que ainda estão em processo de formação na escola pública para percebermos a real situação. A falta de investimentos na escola e na pessoa do professor que é parte importante no processo de aprendizagem, reflete primeiramente no aluno, e em última instância na sociedade como um todo. Está claro que o problema da escola pública não é apenas de conjuntura, mas de infra-estrutura. Apesar de tudo que foi dito, não podemos nos isentar da responsabilidade que temos frente à construção da escola pública. Sim, isso depende da “vontade política”, como se costuma dizer, mas também depende de cada um de nós, que no exercício da cidadania tem deveres, mas também direitos, que podem e devem ser colocados em pauta. Através das discussões das reivindicações, e de posicionamento consciente e equilibrado da sociedade brasileira podemos sim “dar cabo” à construção da escola pública.
Professora Cidinha Britto

2 comentários:

  1. Olá Cidinha! Há um erro considerável no seu trabalho em relação a educação Informal, quando diz que ela é intencional. Segundo a bibliografia referida pag. 236 "A educação informal, também chamada de não intencional..." Acredito que possa ter sido erro de digitação...

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    1. Obrigada por avisar, realmente havia um erro, eu havia colocado informal, ao invés de não formal. Sua colocação se refere apenas à página 236, mas na realidade, o que utilizei do livro nesse ponto do texto, foi a página 237, segundo tópico do "resumindo" do autor, cujo início se encontra na 236. Obrigada por passar por aqui e pela contribuição!

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