sábado, 24 de janeiro de 2015

RESUMO - "A Formação das Almas - O Imaginário da República no Brasil". José Murilo de Carvalho. 2003, pp. 9- 142.


Introdução
O autor reafirma o que já havia constatado em “estudo anterior”, não houve participação popular na implantação da República. Neste momento no novo regime três correntes ideológicas fortemente influenciadas pela Revolução Francesa concorrem na implantação de seu modelo de governo. São elas, o liberalismo, o jacobismo e o positivismo, tendo se destacado por volta da “virada do século”, o liberalismo. O jacobismo idealizava uma democracia clássica, o positivismo vislumbrava um futuro promissor proporcionado pela República para os cidadãos. E doutrina do liberalismo, um mínimo de envolvimento do Estado na vida dos cidadãos, cidadãos estes, politicamente autônomos. Essas ideologias serão manifestadas através de alegorias, mitos e símbolos, com o intuito de promover a legitimação do regime vigente, a saber, a República. O autor se propõe a “discutir mais a fundo o conteúdo de alguns dos principais símbolos utilizados pelos republicanos brasileiros, e na medida do possível, avaliar sua aceitação ou não pelo público a que se destinava, isto é sua eficácia em promover a legitimação do novo regime” (pp. 13).

Capítulo 1 - Utopias Republicanas
 Partindo do pronunciamento de Benjamin Constant em 1819, podem-se analisar os arquétipos de repúblicas no Brasil do século XIX. Segundo ele, a Revolução Francesa (1789) não tinha sido inspirada nas repúblicas antigas de Atenas, Roma e Esparta que melhor se identificavam com os tempos modernos; mas em filósofos como Mably e Rousseau, o que dava à liberdade um tom coletivo, público; e não individual e privado, como deveria ser.  

As duas Liberdades
A ideia de liberdade de Benjamin Constant era o modelo americano, o utilitarismo de Hume, que ressalta a busca pela felicidade, onde o público seria o conjunto dos interesses individuais. Os escritos de Montesquieu extremamente valorizados nos Estado Unidos eram o sustentáculo dessa visão.

[...] “a separação dos poderes como garantia de liberdade, a duplicidade do Legislativo como instrumento de absorção das tendências separatistas e a força dada à Suprema Corte como elemento de equilíbrio foram inovações institucionais responsáveis, em boa parte, pela durabilidade do sistema americano” [...] (pp.19).           
 Também havia o conceito de República francês, (embora mais de um conceito francês houvesse) inspirado em Rousseau. “Era a República das grandes ideias mobilizadoras do entusiasmo coletivo, da igualdade, dos direitos universais do cidadão”.  Não esquecendo a Terceira República cujo modelo chegou ao Brasil por intermédio dos positivistas, que defendiam, nesse caso como Constant, uma República como “sistema viável de governo”. Apesar e concordarem nesse ponto, não havia um consenso entre Benjamin Constant e os positivistas no que se refere ao governo parlamentar. “Existiam pelo menos três modelos de república a disposição dos brasileiros”. O americano e o positivista “valorizavam os aspectos de organização do poder”. O terceiro, a intervenção popular.

A Herança Imperial
O Império brasileiro se organizava politicamente com base no constitucionalismo inglês, mas administrava sob a perspectiva portuguesa e francesa, cujo modelo corroborava a política centralizadora do Império. Para “garantir a sobrevivência da unidade política do país, de organizar um governo que mantivesse a união das províncias e a ordem social”. O Império aboliu a escravidão, mas não conseguiu incorporar os ex-escravos à cidadania.

A opção Republicana
Os republicanos tinham uma grande responsabilidade em suas mãos, “substituir um governo e construir uma nação”. Eles se dividiam em três grupos, cada um com um defendendo seus interesses. O primeiro era o dos proprietários rurais, cujo ideal republicano era o americano, individualista, que no final do século XIX, se apresenta no “darwinismo social, absorvido no Brasil por intermédio de Spencer, o inspirador do principal teórico paulista da República, Alberto Sales”. Foi o modelo americano bem sucedido na Constituição de 1891.

Os jacobinos representados por Silva Jardim comparavam a Monarquia ao Ancien Régime francês e consideravam o Império brasileiro mesmo que equivocadamente, a causa direta do “atraso, o privilégio, a corrupção”. Eles ansiavam para o país a liberdade, a igualdade e a participação, embora não explicassem como colocar em prática, esses ideais. Os positivistas traziam múltiplas propostas, tais como: um estado laico, o poder Executivo “forte e intervencionista”“a incorporação do proletariado à sociedade moderna” progresso, ditadura, e o despotismo ilustrado – progresso por meio da ditadura.

A Cidadania e a Estadania
Entre os que buscavam a República como alternativa à Monarquia, grande parte estava ligada ao Estado por motivos pessoais como, por exemplo, trabalho, evidentemente, para essa parcela da sociedade o Estado era como um salvador. Mesmo quando se envolviam na política, o faziam por intermédio do Estado, sendo assim, sua atuação política não poderia ser considerada aquisição dos direitos de cidadão, ao invés disso “era uma inserção que se chamaria com maior precisão de estadania”. Havia um debate entre os intelectuais principalmente entre os republicanos, da relação entre o público e o privado, entre a república antiga e a moderna.

[...] “Para que funcionasse a república antiga, para que os cidadãos aceitassem a liberdade política em troca da liberdade individual; para que funcionasse a república moderna, para que os cidadãos renunciassem em boa parte à influência sobre negócios públicos em favor da liberdade individual – para isso, talvez fosse necessária a existência anterior de sentimento de comunidade, de identidade coletiva” [...] (pp. 32).

Capítulo 2 – As proclamações da República
No Brasil, como em outros lugares do mundo, havia uma “batalha pela construção de uma versão oficial dos fatos, a luta pelo estabelecimento do mito de origem”, que vinculava a natureza do novo regime. As versões da Proclamação da República provinham de Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant, Quintino Bocaiuva, e Floriano Peixoto. Num primeiro momento se estabeleceu em debate verbal, com o passar do tempo foi se fortalecendo até se transformar em disputa política.

Deodoro: A República Militar
Os simpatizantes de Deodoro eram os oficiais que lutaram na guerra do Paraguai. A visão que eles tinham da proclamação era obra dos militares sob o comando de Deodoro, portanto sem nenhuma atuação civil.

Benjamin Constant
Os que acreditavam na direção de Benjamin Constant na ocasião da proclamação, o consideravam como um líder intelectual e teórico, além de disso davam a ele o mérito de a proclamação não ficar conhecida apenas como um “fiasco militar”. Os positivistas foram os maiores propagadores dessa ideologia. Na descrição de Teixeira Mendes, Benjamin é colocado no “panteão cívico do Brasil, ao lado de Tiradentes e José Bonifácio”.
“Em sua forma pura, a vertente ligada a Benjamin Constant ficou restrita às propostas dos ortodoxos e não encontrou aplicação prática. Mas contribuiu para várias medidas dos primeiros anos da República, sobretudo a separação da Igreja e Estado, a introdução do casamento civil, a secularização dos cemitérios, o início do contato com o operariado, a reforma do ensino militar” (pp. 42).

Quintino Bocaiuva
Era chefe do Partido Republicano e propagandista. Os propagandistas tinham aliança com os militares, e eram eles que davam um caráter civil ao movimento. Segundo Quintino, os militares teriam sido usados contra o governo a favor do Partido Republicano, ele, nem outro propagandista qualquer podiam, no entanto, negar a importância dos militares. “As tentativas de construir o mito original da República revelam as contradições que marcaram o início do regime, mesmo entre os que o promoveram. [...] O mito ficou inconcluso, como inconclusa ficara a República”.

Capítulo 3 – Tiradentes: um herói para a República
Para legitimação de qualquer regime político, são criados os heróis. Esses heróis não são inventados inconsequentemente, são planejados para suprir a necessidade de uma sociedade em especial. Essa necessidade foi alimentada pela figura de Tiradentes, apesar de haverem poucos documentos que detalhem sua história. Mas há registros da comoção popular no evento que culminou em sua morte. Sua imagem conflitava com a do Imperador que o condenou à morte por conta disso, por vezes ocorreram agitações políticas.

O funcionário do governo Joaquim Norberto descobriu documentos com informações que julgou relevante registrar em sua obra História da Conjuração Mineira. Criou-se polêmica em torno da declaração de Joaquim de um Tiradentes contrito, submisso a religião. Por um houve grande esforço em refutar tais afirmações, porém chegou-se a conclusão de que poderia identificá-lo com o próprio Cristo, o que facilitaria sua consagração como herói da República. Tiradentes era cultuado e foi dedicado a sua memória o dia 21 de abril.

[...] “Na figura de Tiradentes todos podiam identificar-se, ele operava a unidade mística dos cidadãos, o sentimento de participação, de união em torno de um ideal, fosse ele a liberdade, a independência ou a república. Era o totem cívico. Não antagonizava ninguém, não dividia as pessoas e a classes sociais, não dividia o país, não separava o presente do passado nem do futuro. Pelo contrário, ligava a república à independência e a projetava para o ideal de crescente liberdade futura. A liberdade ainda que tardia” (pp. 68).

Capítulo 4 – República – Mulher: Entre Maria e Marianne
A mulher era uma forte figura representativa no civismo francês, era símbolo de liberdade, da revolução e também da república, tal inspiração veio de Roma. O famoso quadro de Delacroix imortalizou a imagem de uma mulher que representa ali, a liberdade.

[...] “O barrete frígio cobre-lhe os cabelos apanhados para cima. Na mão direita, outro símbolo republicano, a bandeira tricolor, que tinha sido abandonada durante a Restauração [...] na mão esquerda, um fuzil com baioneta calada. Destacam-se os seios, nus e agressivos, e o gesto enérgico de comando em meio aos mortos e feridos das barricadas de Paris. Sem dúvida alguma ela canta Marselhesa” (pp. 76).

No período da Terceira República a mulher se tornou efetivamente uma representação da República um nome foi escolhido: Marianne. O governo então investiu na figura da Virgem Maria que deveria ser cultuada em detrimento de Marianne (República). No Brasil a ideia não funcionou como esperado, já que a representação feminina poderia levar o imaginário da população à outra mulher, esta no lado inverso da República. A princesa Isabel filha de D. Pedro II, era herdeira do trono, emissária da Monarquia. Na realidade, no Brasil, a mulher usada como imagem da República era uma mulher de vida duvidosa, pública. Para Comte, a mulher era mais importante que os homens por sua capacidade de gerar vida sem interferência externa, fazendo alusão à virgem-mãe. Desse modo era a melhor representação e afirmação da República. Segundo os positivistas dependia da República, a organização da Pátria. Mas no Brasil, política nem era coisa de mulher, elas não tinham direito ao voto, não havia precedentes para essa representação, sendo assim “a alegoria se dissolvia na falta de uma comunidade de imaginação. Ou se fragmentava em sentidos contraditórios e invertidos”.

Capítulo 5 - Bandeira e hino: O peso da Tradição
A bandeira e o hino foram impostos pelo governo como símbolos nacionais, sendo intensa a luta que se travou para sua introdução. No final os positivistas ganharam a disputa na escolha da bandeira, quanto ao hino, contraditoriamente permaneceu o antigo.

A Bandeira “Marca Cometa”
No acontecimento de 15 de novembro não havia uma bandeira própria, e como hino, cantaram a Marselhesa. Em momento anterior à proclamação se tentara criar ou adotar uma nova bandeira, mas nenhuma das possibilidades fora utilizada. Uma bandeira seria levada às ruas pelos republicanos no dia 15. Nela se conservaram, nas faixas horizontais, as cores verde e amarela da bandeira imperial. “O quadrilátero [...] era de fundo negro para homenagear a raça negra. As estrelas foram bordadas em miçangas brancas”. Esta bandeira não foi aceita e os positivistas se encarregaram de produzir outra.

“Tomaram então a bandeira imperial, conservaram o fundo verde, o losango amarelo e a esfera azul. Retiraram da calota os emblemas imperiais: a esfera armilar, a coroa, os ramos de café e tabaco. As estrelas que circulavam a esfera foram transferidas para dentro da calota. A principal inovação, a que gerou maior polêmica, a que ainda causa resistência, foi a introdução da divisa “Ordem e Progresso” em uma faixa que, representando o zodíaco, cruzava a esfera em sentido descendente da esquerda para a direita” (pp112 e 113). Não foi pacífica a aceitação da bandeira entre os intelectuais da República, mas foi finalmente aceita e é o modelo que perdura até os dias de hoje.

O “Ta-ra-ta-ta-tchin”: Vitória do Povo
“Mais do que a batalha da bandeira, a do hino nacional significou uma vitória da tradição, pode-se mesmo dizer uma vitória popular, talvez a única intervenção vitoriosa do povo na implantação do novo regime”. Até aquele momento nos movimentos da República, era cantado a Marselhesa, pois não havia um hino brasileiro que transmitisse o espírito republicano. Silva Jardim tentara encontrar uma letra para adapta-la à música da Marselhesa. 

O espírito de Rouget de Lisle, em uma sessão espírita ditou uma versão brasileira da letra e música. Em manifestação no dia 15 de janeiro de 1890, o hino improvisado foi tocado, mas não causou nenhum impacto. No meio da apresentação, pediram que o antigo hino de Francisco Manuel da Silva, o que causou profunda comoção popular, naquele momento seria aprovado como hino nacional brasileiro. Quando a cerimônia acabou a população acompanhou as bandas que saíram tocando pelas ruas. Um concerto gigantesco foi preparado por um músico americano, Gottschalk. Seiscentos e cinquenta músicos participaram do evento, o pianista Gottschalk, morreu logo depois, mas um “meteoro musical” “cruzou o Rio, deixando no rastro, entre outras lembranças, a consagração erudita do hino de Francisco Manuel da Silva”.

Capítulo 6 – Os Positivistas e a Manipulação do Imaginário
 O encontro de Comte com Clotilde de Vaux mudou o rumo do seu pensamento filosófico, antes apenas científico, voltado para a razão, agora também ligado aos sentimentos. Essa mudança abria o caminho para a formação de uma religião focada na humanidade. Os santos da nova religião eram os grandes homens da humanidade, os rituais eram as festas cívicas, a teologia era sua filosofia e sua política, os novos sacerdotes eram os positivistas.  A mulher era a base da humanidade, a figura feminina foi então facilmente associada à pátria, na verdade, o próprio Comte denominaria  “mátria”.

A tática Bolchevista dos Ortodoxos
 Os positivistas ortodoxos no Brasil enfatizavam os aspectos religiosos e ritualísticos, eram acusados de fanatismo, principalmente por causa de sua clotildidolatria. Sua ortodoxia não era compreendida, ela tinha propósitos políticos. “E foi exatamente no fim político que os brasileiros se mostraram ao mesmo tempo menos ortodoxos e mais enfáticos no uso do imaginário. Tão convencidos estavam de sua missão política que não seria despropositado chama-los de bolchevistas de classe média”.

Manipuladores de Símbolos
“doutrina comtista e a visão estratégica dos ortodoxos” daria aos positivistas uma característica marcante na história brasileira, seu poder de manipulação dos sentidos. Manipulação que se deu principalmente através de símbolos. Eles se fizeram valer da palavra escrita, quando se tratava da elite letrada, mas também se apropriaram das imagens, rituais, etc., quando interagiam com os analfabetos, incultos, dentre eles, proletários e mulheres.

Conclusão
Todas as tentativas de criar um “imaginário popular republicano” foram frustradas. As representações que de alguma forma pontuaram a transformação no ideário popular foram aquelas ligadas à tradição como é o caso do hino, e à religião. No último caso, a imagem da Aparecida, assim como o Tiradentes que fora martirizado como se fosse o próprio Cristo dão à população brasileira “um sentido que na ausência de um civismo republicano, só poderia vir de fora do domínio político”.

Professora Cidinha Britto


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